ECONOMIA

   O MERCADO ANGOLANO E AS PMEs PORTUGUESAS

O Sr. Presidente da República decidiu em fim de mandato visitar o Estado Angolano, o que pode ser entendido como o lançamento da sua recandidatura. É pena que os interesses políticos, nem sempre sejam coincidentes com os interesses dos agentes económicos.
Referenciou como factores de importância fundamental, estarem em Angola 80.000 portugueses e este ser o 4º país consumidor dos produtos exportados por Portugal.
Verdade, mas não de agora, praticamente desde há 4 anos a esta parte, Angola tem uma importância acrescida para a economia portuguesa. Se o objectivo da viagem, foi o desbloquear dos créditos das empresas nacionais, isso demonstra a ineficácia do governo para a diplomacia económica. O Jornal de Angola no seu editorial do dia após a chegada do PR,  refere que era escusada a vinda do cobrador do fraque. Apesar de alguma subjectividade no artigo, ele direcciona claramente os destinatários. A criação de comissões para análise da política de vistos entre os dois países, é mais um momento de retórica, pois há vários anos que esse é um problema que não tem tido evolução satisfatória para os agentes de ambos os países.
Ainda que o meu conhecimento da realidade angolana seja  curto, é já suficiente para uma abordagem simples, que se pode sintetizar em alguns pontos, que não sendo exaustivos, merecem reflexão.
As dificuldades no espaço europeu e a redução do consumo privado, empurrou muitas pequenas e médias empresas para a experiência angolana, numa lógica completamente desfocada da realidade, que tem já provocado avultados prejuízos e retiradas penosas. Como é evidente, o artigo visa as PMEs, pois as grandes organizações nacionais, dispõem de canais de penetração e recursos, que não estão ao alcance das de menor dimensão.
1º- Os organismos oficiais portugueses e alguns líderes de opinião, incentivam a deslocalização, sem uma capaz avaliação do mercado, nem estudos que a suportem. O apoio no terreno é insípido e sem relevância. Deveriam ter uma acção mais ponderada, incentivar à realização de um  estudo de   oportunidade e um nível de aconselhamento técnico, que não dispõem.
2º- As empresas assumem riscos financeiros elevados, através da criação de estruturas, que têm custos muito diferentes de Portugal. Rendas, aquisição de património imobiliário, construção e logística de funcionamento, têm impactos importantes, que muitas das vezes e erroneamente, os promotores entendem que o mercado absorverá.
3º- Grande parte das PME que se instalam, em vez de entenderem o mercado angolano, como um novo ponto de colocação de produtos, que não deve diferir da estratégia de entrada num país europeu, com padrões de qualidade elevados, opta por enviar contentores com mercadorias, a que muitas das vezes não consegue assistir no pós-venda, desacreditando a marca e o produto.
(administrador de PME e de uma grande empresa,  em Angola)
4º. A ida para o mercado sem um parceiro local, credível e conhecedor da realidade de Angola, é outro factor de importância no insucesso. De uma maneira geral, os portugueses não conhecem a realidade do negócio e muitas das vezes, avançam sem qualquer plano de negócio e sem uma estratégia adequada.                                              
5º- A entrada no mercado angolano, é claramente contraproducente para simples comerciantes. Fabricantes, construtores e produtores, têm muito mais probabilidade de êxito, que aqueles que enviam contentores com mercadorias adquiridas a terceiros, que na sua maioria já se encontram no país a preços competitivos.
6º-A política de vistos é um óbice de grande impacto na gestão do negócio. Sem vistos de trabalho para técnicos e responsáveis, grande parte dos nacionais, sujeita-se a graves penalidades, caso exerçam actividade profissional. A celeridade na concessão dos mesmos não é satisfatória, o que provoca em muitos casos, exercício ilegal de profissão e a necessidade de 90 em 90 dias, saírem do país, para poderem renovar o mesmo. Esta situação provoca danos não despiciendos, pois o trabalho dos técnicos é interrompido, para além da oneração dos custos.
7º-A concessão de crédito não faz parte da tradição comercial, pelo que o negócio tem de se adaptar a esta realidade do país.
8º- A actividade baseada no fornecimento de bens não transaccionáveis, portanto que se destinem a indústrias e infra-estruturas, têm mais probabilidade de êxito, que aqueles que se destinam ao consumidor final. A forte concorrência de países emergentes em vários segmentos do produto, não aconselha investimentos nessa área.
9º-Os capitais próprios têm de estar adequados às necessidades de recursos, pois o custo financeiro é demasiado oneroso para contracção de financiamento local.
10º-Last, but not least, quem pretenda instalar-se terá de viver a maioria do seu tempo em Angola.

Angola é um país jovem com grandes potencialidades, com uma economia que vai ter um crescimento sustentado não assente apenas no petróleo, mas quem entender este mercado sem a devida atenção, como se de um mercado evoluído se trate, arrisca-se a engrossar a estatística dos arrependidos. Não vale a pena depois responsabilizar a falta de agilidade do pais, a burocracia, etc.
Angola é uma realidade diferente, tem as suas especificidades, apresenta dificuldades que para um europeu são surpreendentes, mas os EUA também as têm, tal como a Alemanha, a Espanha, etc. Há porém um factor que é comum, o padrão de qualidade.
Esse tem de vir para cá, como vai para a Alemanha. As empresas têm de ter seriedade na montagem do seu negócio, administrá-lo, terem rendibilidade justa, permitindo que ambos os países se desenvolvam. Rendibilidade justa em Portugal, criando riqueza e promovendo trabalho. Em Angola as organizações deverão procurar cobrir os seus custos, com margens que não onerem demasiado o preço de venda, que tiram competitividade e atrasam a capacidade de investimento do país.
É meu entendimento que o resultado deve estar apenas num dos ciclos. Ao exportador nacional instalado em Angola, a mais valia justa, deverá se obtida a montante, deixando a jusante apenas a margem para a manutenção local do negócio. Caso contrário, poderá liquidar a galinha dos ovos de ouro e que se constitui como uma ajuda fundamental para a manutenção de algumas unidades portuguesas.
A industrialização local, deverá ser um objectivo a médio e longo prazo das unidades que pretendem manter-se no mercado, De uma forma progressiva e sem grandes convulsões, a deslocalização do processo, dever-se-á iniciar pelas operações finais da cadeia de produção, evoluindo à medida que o know how local vai progredindo.
(Angola-20-07-2010)

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