O
Outono é já por si a estação da melancolia, mas com a idade vem também a
nostalgia. Com o tempo juntam-se tantas recordações que parecem cenas de um
filme que já não conseguimos pormenorizar, mas de que nos lembramos no
essencial. Fomos realizando esse filme com actores e actrizes de que muitos
esquecemos os nomes, mas não as caras nem as ocorrências. O guião dessa longa-metragem
nunca nos foi facultado e foi com muito improviso que chegamos até aqui.
A
memória é um dispositivo incontrolável que normalmente desqualifica o presente
em benefício do passado, detectável na frase "no meu tempo é que era" e ao dizê-la nem nos passa pela
cabeça "que era" porque nós
também "éramos" e agora
estamos quase no "fomos".
Como
se vê é nos verbos "ser" e "ir" que está o segredo do
processo. Só que a conjugação dos tempos e modos faz toda a diferença: eu vou, eu ia; eu estou, eu fui; eu sou, eu era e por aí fora...
Os
presentes dos indicativos da época são desbaratados pelos passados e
imperfeitos do indicativo da actualidade e aí reside o drama que desagua na
nostalgia.
É
a gramática a responsável por esta débacle e muita gente pensa que é da idade.
Nada disso, acabe-se com os tempos dos verbos e as diferenças desaparecem.
Como
diz o ditado, "quem andou não tem
pr'andar", mas isso é uma ameaça, uma verdadeira chantagem para
aqueles e aquelas que ainda têm vontade de continuar, quanto mais não seja
gatinhando...
Hoje
um casal sexagenário consegue facilmente empréstimo para compra de habitação
com uma maturidade a 30/40 anos, o que evidencia a confiança das instituições
de crédito numa classe de clientes que não deve ser apoucada.
Um
sénior joga xadrez no tabuleiro, mas sob protesto, pois já lhe surripiaram algumas peças que lhe retiram
qualquer hipótese de ganhar. Restam-lhe peões e eventualmente um bispo, que
para o efeito é pouco importante (poderá ser aproveitado nas exéquias). Contra
uma rainha um peão poucas hipóteses terá de sucesso e inexoravelmente
capitulará.
Pensar
nisso já é nostálgico...
JROUT2014
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